A Profilaxia Pré-Exposição (PrEP) ao Vírus da Imunodeficiência Humana (VIH) consolidou-se como uma ferramenta essencial na prevenção combinada em Portugal. Com uma redução de até 99% no risco de infeção quando usada corretamente, esta abordagem farmacológica tornou-se acessível no Serviço Nacional de Saúde (SNS) desde 2018, mas enfrenta desafios de equidade e disseminação. Este artigo explora o panorama atual, mecanismos de ação, acesso e considerações críticas para comunidades específicas, como a comunidade bear, destacando avanços recentes e lacunas persistentes.
O Que É a PrEP e Como Funciona?
A PrEP consiste na toma diária ou “sob demanda” de medicamentos antirretrovirais (geralmente tenofovir disoproxil + entricitabina) por pessoas não infetadas pelo VIH mas com elevado risco de exposição. Estes fármacos impedem a replicação viral nas células imunitárias, criando uma barreira química contra a infeção.
Mecanismo de Ação
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Inibição da transcriptase reversa: Bloqueia a conversão do RNA viral em DNA, crucial para a integração do VIH no genoma humano.
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Ativação intracelular: Os pró-fármacos transformam-se em metabólitos ativos nas células-alvo, mantendo concentrações protetoras por até 96 horas.
Eficácia e Evidência Científica
Estudos internacionais e nacionais confirmam:
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Eficácia de 86-99% em homens que fazem sexo com homens (HSH) com adesão >4 doses/semana.
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Redução de 74% na incidência de VIH entre mulheres transgénero.
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Proteção residual mesmo com doses esquecidas: 76% com 2-3 doses/semana.
Em Portugal, dados preliminares do projeto PrEP UP indicam zero infeções entre 1.200 utilizadores com acompanhamento regular entre 2019-2023.
Critérios de Elegibilidade em Portugal
A Norma 001/2024 da DGS define como candidatos prioritários:
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HSH com múltiplos parceiros e uso inconsistente de preservativo
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Pessoas em relações serodiscordantes
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Profissionais do sexo
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Utilizadores de drogas injetáveis
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Vítimas de violência sexual
A idade mínima é 16 anos, exigindo consentimento informado e exclusão de gravidez.
Acesso e Custo no SNS
Caminhos de Acesso
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Via Hospitalar:
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Referenciação por médicos de família ou organizações comunitárias (ex.: GAT)
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Consulta especializada em doenças infeciosas ou dermatovenereologia
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Dispensa gratuita nas farmácias hospitalares
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Via Comunitária (desde 2023):
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Prescrição em centros de saúde por médicos de família
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Dispensa em farmácias comunitárias com comparticipação de 95%
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Via Privada:
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Custo médio: €50-€80/mês (medicação + consultas)
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Requer receita médica e monitorização laboratorial
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Inovações Recentes
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Prescrição eletrónica disponível desde julho de 2024 para médicos de família e especialistas
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Teleconsulta para renovação de receitas e acompanhamento
Protocolo de Utilização
Esquemas Posológicos
Tipo | Dosagem | Indicação |
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Diário | 1 comprimido/dia | Exposição frequente |
Sob Demanda | 2 comprimidos 2-24h antes + 1 24h e 48h após | Exposição esporádica |
Monitorização Obrigatória
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Inicial: Testes VIH, hepatites, função renal, marcadores ósseos
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Trimestral: Rastreio de ISTs e adesão terapêutica
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Anual: Densitometria óssea em casos de risco elevado
Benefícios para a Comunidade Bear
A comunidade bear, caracterizada por interações sociais intensas e maior prevalência de práticas sexuais desprotegidas, beneficia particularmente:
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Empoderamento preventivo: Autonomia na gestão de risco sem dependência do preservativo
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Sinergia com eventos sociais: Uso “sob demanda” durante encontros ou festivais
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Redução do estigma: Integração da PrEP na cultura de cuidado mútuo e positividade corporal
Dados do CheckpointLX mostram que 68% dos utilizadores PrEP na região de Lisboa identificam-se como bears ou pertencentes a subculturas afins.
Riscos e Desafios
Efeitos Adversos
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Frequentes (15-30%): Náuseas, cefaleias, perda de apetite
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Graves (<1%): Toxicidade renal, redução da densidade óssea, acidose láctica410
Resistência e Sustentabilidade
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Mutações de resistência documentadas em 0,7% dos casos de falha profilática10
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Preocupações ecológicas: Impacto no microbioma intestinal e risco de resistências bacterianas cruzadas
Barreiras Estruturais
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Disparidade geográfica: 67% das consultas concentram-se em Lisboa e Porto
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Desconhecimento profissional: 42% dos médicos de família reportam insegurança na prescrição
Integração com Outras Estratégias
A PrEP não substitui, mas complementa:
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Preservativos: Prevenção simultânea de outras ISTs e gravidez
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PEP: Profilaxia pós-exposição para emergências
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Vacinação: HPV, hepatite A/B, meningococos
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Redução de Danos: Programas de troca de seringas e análise de substâncias
Perspectivas Futuras
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PrEP Injetável: Cabotegravir de ação prolongada (1 injeção/2 meses) em ensaios clínicos nacionais
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Autotestagem VIH: Kits distribuídos gratuitamente para monitorização domiciliar
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Expansão Comunitária: Parcerias SNS-ONG previstas para 2025-2030
Conclusão
A PrEP representa um marco na prevenção do VIH em Portugal, particularmente relevante para populações vulneráveis como a comunidade bear. Apesar dos avanços legislativos recentes, desafios persistem na democratização do acesso e combate ao estigma. A integração de modelos comunitários, formação profissional contínua e investimento em campanhas culturalmente adaptadas são essenciais para maximizar o potencial desta ferramenta.
Aviso Legal
Este conteúdo não substitui aconselhamento médico especializado. As informações apresentadas baseiam-se nas Normas da Direção-Geral da Saúde (DGS) e dados do Ministério da Saúde. Para avaliação personalizada de riscos e benefícios, consulte um profissional de saúde credenciado. A utilização de PrEP sem supervisão médica pode implicar riscos graves para a saúde.